.comment-link {margin-left:.6em;}

não há erros gramaticais ou morais, há maneiras de pensar. eu escrevo a dançar pateticamente uma musica sem som!

quinta-feira, março 03, 2005

o ninguém abrigo

deitado junto à porta a dormir o sono mais leve, a agua da chuva entra pela roupa que usas há uma semana... o vento e as costas molhadas torna o frio cortante, entrando pelo corpo até à ultima costela, o teu sono torna-se paralisado com o terror do medo de não aguentar mais!

enrolado nos cobertores rasgados, esburacados, pretos do tabaco que fumas e que te arranca os dentes um a um, olhas a pedir por caridade, por moedas que guardas na esperança de deixar a veia gorda durante a noite!

um olhar distante a pedir por perto, junto das milhares faces que te atravessam ora sorrindo, ora cantando, ora com um olhar triste porque perderam o amor ou talvez o emprego. o teu olhar nem pode ser momentaneamente triste porque a única coisa que podes perder é os teus cobertores que as vezes roubam sem saber que estão rotos e mal cheirosos, o teu olhar é sempre triste e pesado porque o nada que tens a perder significa o pouco que ganhas a não ser a agulha que pica e te mostra a dor mais que conhecida do imaginário de viver a não vida que tens.

o preto e os olhos sem nenhum brilho escondem a beleza por detrás do teu rosto que talvez, nem sei, um dia foi feliz, amando uma mulher e quem sabe um filho que se perdeu...
passo por ti todos os dias e nem sei o teu nome nem como ficaste assim, deve ser porque resisto à tua existência, porque apesar de todo o meu idealismo vejo-te como todos te vêm, como ninguém. a tua existência causaria as maiores dores no peito que subiriam à consciência e responsabilidade de te tirar da rua e cuidar de ti.
vejo-te pela minha janela do meu quarto quente, vejo o teu tremer e as tuas lágrimas que há tanto o tempo já secou...
vejo a minha inércia, a minha incapacidade de agir, de falar, de te dirigir um carinho com medo que deites para sempre lágrimas de sangue...

no fundo tenho medo que existas mesmo, que essa tua dor seja mais que verdadeira e que tenha de desistir de todos os meus confortos em protesto com a cruel vida que te deram...
como pode ser que tantos que vivem e dormem à tua volta se mantêm imunes ao teu nada, ao teu tempo parado na esquina do supermercado?
dias passam e a tua dor toma conta do meu corpo...

tenho a maior das vergonhas deste mundo frio, competitivo, desumano, cruel, cruel, cruel que criamos e aceitamos com a nossa obediência ao conforto!

nota: dedicado a um sem abrigo que vive e dorme na rua mesmo em frente à minha janela...